Fim da hipocrisia, queremos transparência na moda!
Essa não é uma discussão tão intensa no Brasil, mas deveria ser. Depois das inúmeras manifestações que ocorreram no mundo todo para exigir justiça e direito aos negros, as coisas mudaram para a indústria da moda, pelo menos na Europa e EUA.
Muitas marcas se manifestaram a favor das vidas negras em redes sociais — onde concentram o maior o público e podem se comunicar da forma mais próxima — muito pelo momento que se viveu onde não se posicionar seria mal visto e se confirmaria como uma atitude racista, visto que ser passivo de uma situação de racismo o torna racista, para não sofrer linchamento virtual ou, de certa forma, se manifestaram genuinamente expressando os valores da empresa.
Acontece que a fala já não emite mais confiança e os consumidores começaram a exigir que as marcas abrissem seus números e a demografia da empresa para mostrar transparência em relação ao discurso emitido, para que víssemos de que forma as vidas negras estariam sendo representadas dentro dessas corporações. No Instagram, fotos com placas sinalizando as hashtags #payup e #pulluporshutup invadiram a linha do tempo. Ou seja, abra seus dados ou cale seu discurso.
O perfil Pull Up For Change está organizando essa manifestação e divulgando os dados das empresas. Se você checar o feed no Instagram, vai ver que algumas empresas ainda estão sendo questionadas e as que abriram seus dados recebem ainda uma nota de agradecimento pela divulgação. O primeiro passo para a mudança é a transparência, não é mesmo?
Empresas como Adidas, que frequentemente se comunicam com o público negro foram colocadas contra a parede. Desde 2019, quando o The New York Times revelou que apenas 4,5% dos colaboradores da Adidas são negros, junto a relatos de funcionários falando sobre o racismo estrutural nas entranhas da marca, ela tenta mudar sua imagem perante os consumidores.
“Vidas negras importam. Reconhecemos a imensa contribuição da comunidade negra para nosso sucesso e de outros. Prometemos melhorar nossa cultura corporativa para garantir equidade, diversidade e oportunidade. Entendemos que a luta contra o racismo deve ser contínua e ativa. Temos que fazer melhor, e faremos.”, declarou a corporação após os protestos nos EUA.
A promessa da empresa é investir US$ 20 milhões em programas de apoio à população afro-americana, além de financiar 50 bolsas de estudo anuais para os funcionários negros e latinos. Também anunciou que irá se comprometer com o aumento das contratações desse perfil em 30%.
A Vogue Business está fazendo diversas matérias pertinentes sobre a transparência das marcas e as dificuldades em aceitar e adequar o negro no quadro de colaboradores, principalmente falando em salários justos e cargos de liderança.
No Reino Unido já existem instituições apoiadas pelo Estado, como o Banco da Inglaterra e a Comissão de Igualdade e Direitos Humanos, que visam uma obrigatoriedade de relatórios sobre diferenças salariais de etnia, sendo também um lugar bastante promissor para empresas globais desenvolverem a divulgação transparente sobre o progresso na diversidade.
“Os empregadores estão realmente entusiasmados e felizes em compartilhar como fizeram e o que fizeram”, diz Sandra Kerr, diretora de igualdade racial da Business in the Community.
Organismos públicos e empresas no Reino Unido geralmente coletam muito mais dados sobre identidade racial do que seus pares europeus — os países europeus estão preocupados com a privacidade e a potencial insensibilidade cultural.
Apesar de assistirmos aos movimentos antifascistas no Brasil e levantarmos as mesmas bandeiras sobre a igualdade racial, essa discussão não adentrou de forma tão profunda as empresas da indústria da moda. Segundo dados do IBGE divulgados em Novembro de 2019, a diferença de salários entre o negro e o branco é de 73,9%.
“É impressionante a capacidade de as pessoas dizerem que se importam com um negro morto — no caso, George Floyd — e que não se importam com um negro vivo”, disse Natasha Soares, modelo responsável por expor bastidores dos desfiles de moda e São Paulo Fashion Week.
O movimento Pretos na Moda tem o objetivo de combater o racismo estrutural e contestar a padronização de biótipos no mercado, dando espaço à diversidade genuína e respeitosa. Denúncias são recebidas pelo Instagram, com a hashtag #PretosNaModaBr. O perfil Moda Racista também concentra essas denúncias em seu feed.
Grandes nomes como Reinaldo Lourenço e Glória Coelho foram expostos por comentários e atitudes racistas, incluindo o descontentamento com as cotas exigidas pelo SPFW para 10% de modelos negras, que já é uma vergonha.
Muito se fala sobre consumir local, de forma sustentável, e saber de onde vem suas roupas, mas não cobramos medidas tão essenciais para um mercado mais inclusivo, justo e responsável. Não se falou em exigir transparência das empresas nesse nível e sequer conseguimos pensar em um sistema de transparência de dados para o Brasil, como os apoiados pelo Estado britânico.
Algumas exposições foram feitas, mas não é o suficiente. Se uma marca é capaz de se posicionar sobre seus valores, não seria um problema abrir sua demografia e mostrar que sua fala está aplicada na prática, não é mesmo? Vamos contar que isso se transforme gradualmente em uma mudança significativa para a indústria da moda, acabando com o fim da hipocrisia e discursos prontos.