Conforto e durabilidade. O jeans ou denim faz parte da coleção de todas as marcas, das mais acessíveis às de luxo. Ele passou por inúmeras transformações sociais que garantiram sua consagração como item clássico e indispensável, com os preços mais variados, usado por basicamente qualquer pessoa — seja homem, mulher ou criança. A Híbrida buscou o segredo por trás do conhecido blue jeans que se tornou tão popular, e ao mesmo tempo, um objeto de desejo.
Como a peça que nasceu com a finalidade de auxiliar e facilitar a rotina dos trabalhadores passou a ocupar um lugar nas marcas de luxo? Em que momento o blue jeans é visto como um item de status?
Por menos provável que pareça, o jeans foi criado em Nimes, na França, em torno de 1792, ficando conhecido como tecido “de Nîmes”, que originou o termo denim, usado até hoje. Por ser um material espesso e resistente, não necessitando muita manutenção, foi adotado como vestimenta de trabalhadores de campo ou marinheiros italianos.
Mais tarde, nos Estados Unidos, Oscar Levi Strauss buscou na Europa alguma novidade em materiais para oferecer resistência e conforto aos trabalhadores americanos. Em 1890, o então uniforme de coloração marrom e calças com três bolsos, deu lugar ao clássico modelo 501 — a criação mais famosa de Levi Strauss. Aqui se deu início à marca internacionalmente conhecida, a Levi’s.
As calças foram se tornando cada vez mais conhecidas mundialmente com filmes de Hollywood de faroeste em 1930 e com o uniforme de soldados do exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial. A peça era exclusivamente masculina e se tornou sinônimo de masculinidade.
No momento em que celebridades começam a naturalizar o uso do jeans e os bens de consumo americanos tornam-se grandes expoentes do consumo em massa, a peça ganha um status alimentado pela propaganda como roupa de lazer e conforto. O cinema também aproximou os ícones hollywoodianos dos meros mortais e fez com que os jovens adopters fossem agora os principais personagens da trama.
Na década de 1960, ainda se via o modelo 501 sendo usado desde operários a astros do cinema como Marilyn Monroe, Marlon Brando e Audrey Hepburn. Agora a calça jeans fazia oficialmente parte do guarda roupa feminino.
A clássica versão ganhou um novo visual e significado em 1970 ao marcar presença no movimento hippie e no festival Woodstock. Podia-se ver calças boca de sino marcando a silhueta da época e vestindo ícones como Janis Joplin e Jimi Hendrix.
Na década de 1980, a calça jeans ganhou uma ideologia totalmente diferente: a rebeldia. Hollywood passou a fazer filmes com jovens rebeldes como Fúria de Viver (1955) e consolidaram personagens que eram verdadeiros anti-heróis que preencheram o imaginário de milhões de jovens do mundo com as suas camisetas brancas e jeans sujos maltratados.
Segundo Gilles Lipovetsky (2010), filósofo francês, é a partir desse momento que acontece a promoção de uma categoria de idade até então tratada marginalmente: a juventude. A imagem de estrela juvenil é representada por atores como Marlon Brando, James Dean entre outros que vão emprestar seus corpos e seu intenso desejo de viver a uma juventude ávida por novos ícones.
Outras versões do denim ainda mais transgressoras foram trazidas pelo visual punk, adornando o modelo clássico com spikes, tachas e correntes, além de uma modelagem mais baggy. Ainda nessa década, o surgimento dos yuppies — um público jovem, de classe média alta, que trabalhavam em grandes empresas usando alfaiataria, começou a moldar uma possível esfera para o jeans em grifes.
Mais tarde, nos anos 2000, estrelas como Britney Spears e Christina Aguilera foram alguns dos ícones que ajudaram a deixar a versão do modelo saint tropez do jeans popularizado.
São inúmeras formas de manifesto que o jeans traz, além de sua estética ou praticidade.
É por conta da sua popularização que podemos considerar a calça jeans como uma das peças mais democráticas já lançadas. Ao contrário de boa parte das tendências de moda, o item não foi criado por estilistas, mas sim, popularizado e massificado a partir do seu uso pela classe trabalhadora.
Nos dias de hoje, vemos mais fortemente a influência da observação das ruas e o fashion street como uma ferramenta importante pra identificar novas tendências e entregar itens de consumo alinhados com o espírito do tempo. Além disso, o jeans passa por transformações artesanais gerando renovação espontânea e uma identidade própria por parte de quem usa.
“O jeans é um desses fenômenos que acontecem uma vez a cada século. Começou como roupa de trabalhador e se reinventou ao longo desse tempo todo. Foi sinônimo de juventude rebelde, depois descolada, até virar uma peça chique, de elite, com o surgimento das marcas premium.”
Lilian Pacce, jornalista, escritora e curadora de moda.
Como essa peça chegou até as vitrines das marcas de luxo? Essa é a grande reflexão acerca desse texto, pois não é tão simples entender como o mesmo item pode ser precificado de forma totalmente diferente para públicos totalmente opostos.
Estilistas jovens e disruptivos como Yves Saint Laurent, que propôs pela primeira vez o processo industrial para a alta costura criando o prêt-à-porter, foram cruciais para inserir esse material popular e funcional aos desfiles de moda. Além disso, com momento de distúrbios políticos e da rebelião jovem e uma dinâmica e rotina cada vez mais acelerada e próxima do que vivemos atualmente, durante os anos 1960, não fazia sentido depender de tanta formalidade para adquirir peças como antes.
“À medida que as tendências se aceleram e os estilistas contemporâneos jovens criaram suas butiques, a moda pela primeira vez se voltou para as ruas, com ideias inovadoras adotadas por estilistas como Yves Saint Laurent.”
Marnie Fogg, autora do livro Tudo Sobre Moda
Com a chegada do japonismo nos anos 70, o jeans também ganhou mais texturas e modelagens diferenciadas. Cortes oversized e visuais desgastados e rasgados que causaram o furor do público mais conservador, sendo desfilado por estilistas como Kenzo.
Além do entendimento que o jeans se tornou um objeto de desejo por inúmeros fatores principalmente abstratos, Daniel Miller, antropólogo inglês, propõe um pensamento diferente, dizendo que um mesmo produto poderia ser consumido como forma de “negação da produção capitalista”. Essa negação poderia ser, por exemplo, a própria customização ou realocação da peça em seu uso. A forma criativa foi beneficiada pelo capitalismo que estimulava essa mudança constante e o consumo, fazendo florescer a diferenciação pelo design. Ou seja, um ato de rebeldia contra o sistema pode acabar surtindo um efeito reverso e gerando novas oportunidades para as marcas.
O blue jeans conquistou seu espaço no mercado com o conceito que mais combina com o jovem contemporâneo: produto confortável, prático e disruptivo. O produto que antes diferenciava a classe trabalhadora agora era o novo objeto da cultura material e passou a ser utilizado por grande parcela da população em seu momento de lazer. As grandes marcas percebendo esse grande potencial de mercado investiram em modelos inspirados nessa cultura e aproveitando a publicidade dos filmes hollywoodianos e de celebridades, que aproximavam a fantasia da realidade, utilizando esse mecanismo como veículo para o encantamento de todas as classes sociais.